terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Sobre um amado sobrado

O lugar em que eu vivi guarda histórias
Guarda cheiros, lembranças, vidas.
Suas paredes possuem marcas feitas pelos que por lá passaram
Suas escadas transmitem as lembranças das brincadeiras de criança
Nesse lugar existe um terraço, onde se podia tomar sol ou tomar lua
Na sua frente, dei meus primeiros passos
Sorri, chorei, aprendi, me machuquei
Fui bebê, fui criança, fui rebelde e fui adulta
Fui eu mesma, com toda a minha plenitude...
Outros também passaram por lá
Deixaram muito de si
E levaram muito de lá também
Este lugar armazena a saga de uma família
Dos avós, dos pais, dos tios e dos primos
De mim, ah, como esse lugar sabe de mim...
De todos nós...
Esse lugar um dia já foi cheio
Habitado, lindo, ensolarado
Hoje restam suas ruínas
Os móveis já foram, a mudança também
Assim como algumas pessoas, que saíram de cena assim como esse lugar sairá
Os lugares, assim como nós, são finitos
Acabam, encerram seus ciclos
Cumprem suas missões e se acabam com o tempo
Primeiro é uma goteira aqui, outra acolá
Depois, os cupins e em seguida a deterioração
Assim, fechei a porta
Saí e não olhei para trás
Mas naquele endereço resta algo
Resta a lembrança de tudo o que foi e que hoje não existe mais
Mas em minha memória esse lugar deixa muita coisa...
Deixa amor, carinho, acolhida, felicidade
deixa 31 anos no passado,
deixa lágrimas e um sorriso de até breve
Deixa tudo o que fui e deixa também tudo o que serei.


segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Templos da minha memória

"Eu ouço sempre os mesmos discos
Repenso as mesmas ideias
O mundo é muito simples
Bobagens não me afligem
Você se cansa do meu modelo
Mas juro, eu não tenho culpa
Eu sou mais um no bando
Repito o que eu escuto
E eu não te entendo bem

E quantos uniformes ainda vou usar
E quantas frases feitas vão me explicar
Será que um dia a gente vai se encontrar
Quando os soldados tiram a farda pra brincar

A minha dança, o meu estilo
E pouco mais me importa
Eu limpo as minhas botas
Não sou ninguém sem elas
Você se espanta com o meu cabelo
É que eu saí de outra história
Os heróis na minha blusa
Não são os que você usa
E eu não te entendo bem..."

(Uniformes, Leoni/ Léo Jaime)

Amo essa música... E como ela me acompanha há algumas décadas, trago ela aqui para iniciar uma postagem sobre essa que eu sou, identificada aí pela letra dessa música. Bem, sou um ser assim mesmo. Ouço as mesmas músicas há anos, gosto de acomodações, não sou do tipo que muda os móveis de lugar, o constante me traz uma ideia de segurança que, sei bem, só existe mesmo dentro da minha cabeça.

Até aí tudo bem. O problema é que a vida não tem nada de constante e permanente. O mundo gira, e por mais que tentamos eternizar certas coisas, eternizar momentos, eternizar pessoas, um dia você descobre que não tem jeito mesmo, que tudo acaba mais cedo ou mais tarde.

Ver alguém que você ama ir embora aos poucos, ter que fazer a mudança da casa que você deu seus primeiros passos e viveu toda a sua vida, se olhar no espelho e perceber que o tempo realmente passou, ver seu filho cada vez mais crescido são algumas das coisas que confrontam você com o tempo.

Em meio a isso tudo, é preciso saber encerrar ciclos. São necessários rituais de passagem, despedidas, sensação de perda, sentimentos que inevitavelmente aparecem nessas horas. É preciso deixar o passado ir embora, deixá-lo partir, levando um pouco de nós e nós levando um pouco dele.

Num certo dia, o cotidiano lhe incomoda, noutro você percebe que o cotidiano não existe mais. Passou! Simplesmente passou. Passou uma fase boa, passou outra não tão boa e no fim ainda estamos aqui, repensando as mesmas ideias.

Por outro lado, fecho meus olhos e tudo é tão vivo... Nada passou, tudo ainda está exatamente aqui, onde sempre esteve e deveria estar. O bom da memória é que guardamos o que realmente marcou, o que de fato foi devidamente importante e não acumulamos lixo em nossas recordações.

Mas não é fácil deixar o passado ir embora. Por mais que o futuro possa reservar milhões de coisas intensamente maravilhosas, isso significa perder, ter a consciência que aquela determinada época aconteceu e cumpriu sua função e outras estão por vir.

Assim como a lua que tem suas fases, nós também as temos. Por mais que possamos retomar algumas coisas, alguns guardados dos nossos baús, alguns cacos, algumas fotos e escritos amarelados pelo tempo, nunca poderemos viver novamente da mesma forma. Alguma coisa ficou pra traz e não temos controle nenhum sobre isso. O que nos resta é nós mesmos um dia ficarmos também para traz, depois do dia que formos embora, que nossos filhos também forem, nossos netos e bisnetos, idem... Quem lembrará de nós? O que restará da casa onde nascemos e crescemos, cujas paredes guardam nossas histórias?

De nós, não sei. Mas da casa onde nasci e cresci, já sei. De algumas pessoas que convivemos, acho que também sei. E não adianta, só resta deixá-los ir, seguir seu curso, cumprir sua missão.

Por outro lado, percebo que o lugar da minha memória é exatamente aqui, onde estou, onde estarei. Carrego comigo todos os lugares que visitei, todas as pessoas que amei, todas as fases que vivi e todas aquelas que fui um dia. Carrego inclusive a casa da minha memória.


domingo, 23 de janeiro de 2011

Intensa, sua melhor definição

Alarmante, dramática, exagerada... Aquela que de tudo faz uma tempestade num copo d'água. Que aumenta os fatos. Que distorce as coisas. Que fantasia, que não vê a realidade com a simplicidade que ela tem. Que olha o mundo com lentes de aumento. Que usa um vocabulário superlativo, que é muito sentimental, que gosta de romances mexicanos. Que chora até por uma propaganda boba dessas que passam na tv. Que se magoa fácil, que faz fiasco, que se desespera de uma hora para outra. Que é sensível, passional e dialeticamente contraditória. Corre, achando que cada minuto pode ser definitivo e irreversível. Tem medo, assim como raiva, amor e todos os sentimentos extremamente humanos. Zela pelas pessoas que ama e esse talvez seja o seu maior defeito, o de querer protegê-los ao extremo e a qualquer custo. Peca por excesso e não é adepta à omissão.

Assim era ela. Sentia, sentia demais, esse era o seu problema. Ah, se pudesse ser um pouco mais racional... Sem tantos sentimentos, mais fria, congelada e inabalável com a vida. Sem tantas convicções, sem se cobrar tanta fidelidade aos seus ideais, metas e sonhos. Quem dera pudesse viver, simplesmente viver, sem o compromisso de sentir. Seria mais equilibrada, seria mais sensata, seria mais otimista.

Seria também menos gente. Lágrimas cairiam menos, mas também sorrisos e gargalhadas seriam descartados. Afetos, seriam dispensáveis, assim como envolvimentos, como amizades, como amores e laços de qualquer espécie. Se esconderia em cavernas que ela mesmo criaria para si e colocaria chaves-tetra e segredos indecifráveis nas portas. Sim, suas cavernas teriam portas blindadas que ela mesmo colocaria. Evitaria a si mesma. Não se incomodaria com a reação dos outros. Teria a solidão como aliada e esconderijos como artes supremas de seu viver. Existiria, respiraria, seu coração bateria, mas não pulsaria. Taquicardia, adrenalina e emoções não fariam parte de sua vida. Passaria pela vida, mas não viveria.

sábado, 22 de janeiro de 2011

Chico... sublime Chico...


Eu praticamente não assisto mais televisão. Nada contra quem goste, mas eu realmente enchi o saco. Cansei de ver sempre as mesmas caras, do jeitão do Faustão e do Gugu no domingo, das apelações das mulheres frutas, das novelas cada vez mais vazias que passam no horário nobre, do Big Brother então... esse não se fala, esse é o campeão do lixo que nos enfiam guela abaixo.
Pois é, mas esses dias estava vendo o Jornal Nacional (sim, alguma coisa temos que assistir, né?!) e vi a chamada no intervalo sobre uma minissérie que seria apresentada inspirada em músicas de Chico Buarque. Pensei: "ôpa, isso parece interessante, vou assistir e ver o que vai ser".
Confesso que não levei muita fé por se tratar de um programa da Globo. Mas resolvi ver igual. E, justiça seja feita, a série me surpreendeu. Só um problema, achei ela curtinha demais, com apenas quatro músicas encenadas em somente quatro episódios. Fiquei querendo mais, mas me contentei com que vi.
O primeiro episódio mostrou a música Ela faz cinema, mas eu acho que deveria ter se chamado Construção. Bem legal, ótima interpretação de Marjorie Estiano. No segundo, foi a vez de Mil perdões, a história bem de acordo com o contexto da música.
Mas a "cereja do bolo", ficou para o gran finale. Os dois últimos episódios foram dirigidos por Bruno Barreto, um com continuação com o outro. No primeiro, foi encenada a música Folhetim, conhecidíssima pela voz da Gal Costa. Conta a história de um cara que está mal no casamento e conhece uma prostituta. Os dois se envolvem, passam uma noite maravilhosa e no dia seguinte, ela simplesmente sai, como uma página virada, descartada do folhetim. Os atores, lindos, emocionantes e excelentes, mandaram ver. Vladimir Brichta e Alinne Moraes foram impressionantes.
Na continuação da história, As Vitrines, o personagem principal, Ari, se percebe apaixonado por ela. Destaque para a cena linda dele vendo-a passar ao som de Vitrines, música sensacional. Bem, não sei bem porque, mas achei as histórias bem legais, profundamente humanas, cheias do amor e da poesia de Chico Buarque, uma bela homenagem ao meu cantor preferido. Sim, algumas coisas foram bem clichês nas histórias, como os finais felizes por exemplo. Mas, se tratando de Rede Globo, foi como o esperado.
Para quem quiser assisitir, ainda dá. É só digitar Amor em quatro atos, no Youtube que ali estão todos os episódios. A parte mais linda, para mim, posto aqui. Mas vale assistir todinhos.
Que a nossa tv tenha mais programas desse tipo e menos realitys, bobagens e idiotices como tem tido. Só a trilha sonora já vale. Chico merece ser sempre lembrado, sua obra toca na alma humana, Chico é político, amante, malandro, trovador e... extremamente humano.