terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Sobre um amado sobrado

O lugar em que eu vivi guarda histórias
Guarda cheiros, lembranças, vidas.
Suas paredes possuem marcas feitas pelos que por lá passaram
Suas escadas transmitem as lembranças das brincadeiras de criança
Nesse lugar existe um terraço, onde se podia tomar sol ou tomar lua
Na sua frente, dei meus primeiros passos
Sorri, chorei, aprendi, me machuquei
Fui bebê, fui criança, fui rebelde e fui adulta
Fui eu mesma, com toda a minha plenitude...
Outros também passaram por lá
Deixaram muito de si
E levaram muito de lá também
Este lugar armazena a saga de uma família
Dos avós, dos pais, dos tios e dos primos
De mim, ah, como esse lugar sabe de mim...
De todos nós...
Esse lugar um dia já foi cheio
Habitado, lindo, ensolarado
Hoje restam suas ruínas
Os móveis já foram, a mudança também
Assim como algumas pessoas, que saíram de cena assim como esse lugar sairá
Os lugares, assim como nós, são finitos
Acabam, encerram seus ciclos
Cumprem suas missões e se acabam com o tempo
Primeiro é uma goteira aqui, outra acolá
Depois, os cupins e em seguida a deterioração
Assim, fechei a porta
Saí e não olhei para trás
Mas naquele endereço resta algo
Resta a lembrança de tudo o que foi e que hoje não existe mais
Mas em minha memória esse lugar deixa muita coisa...
Deixa amor, carinho, acolhida, felicidade
deixa 31 anos no passado,
deixa lágrimas e um sorriso de até breve
Deixa tudo o que fui e deixa também tudo o que serei.


segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Templos da minha memória

"Eu ouço sempre os mesmos discos
Repenso as mesmas ideias
O mundo é muito simples
Bobagens não me afligem
Você se cansa do meu modelo
Mas juro, eu não tenho culpa
Eu sou mais um no bando
Repito o que eu escuto
E eu não te entendo bem

E quantos uniformes ainda vou usar
E quantas frases feitas vão me explicar
Será que um dia a gente vai se encontrar
Quando os soldados tiram a farda pra brincar

A minha dança, o meu estilo
E pouco mais me importa
Eu limpo as minhas botas
Não sou ninguém sem elas
Você se espanta com o meu cabelo
É que eu saí de outra história
Os heróis na minha blusa
Não são os que você usa
E eu não te entendo bem..."

(Uniformes, Leoni/ Léo Jaime)

Amo essa música... E como ela me acompanha há algumas décadas, trago ela aqui para iniciar uma postagem sobre essa que eu sou, identificada aí pela letra dessa música. Bem, sou um ser assim mesmo. Ouço as mesmas músicas há anos, gosto de acomodações, não sou do tipo que muda os móveis de lugar, o constante me traz uma ideia de segurança que, sei bem, só existe mesmo dentro da minha cabeça.

Até aí tudo bem. O problema é que a vida não tem nada de constante e permanente. O mundo gira, e por mais que tentamos eternizar certas coisas, eternizar momentos, eternizar pessoas, um dia você descobre que não tem jeito mesmo, que tudo acaba mais cedo ou mais tarde.

Ver alguém que você ama ir embora aos poucos, ter que fazer a mudança da casa que você deu seus primeiros passos e viveu toda a sua vida, se olhar no espelho e perceber que o tempo realmente passou, ver seu filho cada vez mais crescido são algumas das coisas que confrontam você com o tempo.

Em meio a isso tudo, é preciso saber encerrar ciclos. São necessários rituais de passagem, despedidas, sensação de perda, sentimentos que inevitavelmente aparecem nessas horas. É preciso deixar o passado ir embora, deixá-lo partir, levando um pouco de nós e nós levando um pouco dele.

Num certo dia, o cotidiano lhe incomoda, noutro você percebe que o cotidiano não existe mais. Passou! Simplesmente passou. Passou uma fase boa, passou outra não tão boa e no fim ainda estamos aqui, repensando as mesmas ideias.

Por outro lado, fecho meus olhos e tudo é tão vivo... Nada passou, tudo ainda está exatamente aqui, onde sempre esteve e deveria estar. O bom da memória é que guardamos o que realmente marcou, o que de fato foi devidamente importante e não acumulamos lixo em nossas recordações.

Mas não é fácil deixar o passado ir embora. Por mais que o futuro possa reservar milhões de coisas intensamente maravilhosas, isso significa perder, ter a consciência que aquela determinada época aconteceu e cumpriu sua função e outras estão por vir.

Assim como a lua que tem suas fases, nós também as temos. Por mais que possamos retomar algumas coisas, alguns guardados dos nossos baús, alguns cacos, algumas fotos e escritos amarelados pelo tempo, nunca poderemos viver novamente da mesma forma. Alguma coisa ficou pra traz e não temos controle nenhum sobre isso. O que nos resta é nós mesmos um dia ficarmos também para traz, depois do dia que formos embora, que nossos filhos também forem, nossos netos e bisnetos, idem... Quem lembrará de nós? O que restará da casa onde nascemos e crescemos, cujas paredes guardam nossas histórias?

De nós, não sei. Mas da casa onde nasci e cresci, já sei. De algumas pessoas que convivemos, acho que também sei. E não adianta, só resta deixá-los ir, seguir seu curso, cumprir sua missão.

Por outro lado, percebo que o lugar da minha memória é exatamente aqui, onde estou, onde estarei. Carrego comigo todos os lugares que visitei, todas as pessoas que amei, todas as fases que vivi e todas aquelas que fui um dia. Carrego inclusive a casa da minha memória.


domingo, 23 de janeiro de 2011

Intensa, sua melhor definição

Alarmante, dramática, exagerada... Aquela que de tudo faz uma tempestade num copo d'água. Que aumenta os fatos. Que distorce as coisas. Que fantasia, que não vê a realidade com a simplicidade que ela tem. Que olha o mundo com lentes de aumento. Que usa um vocabulário superlativo, que é muito sentimental, que gosta de romances mexicanos. Que chora até por uma propaganda boba dessas que passam na tv. Que se magoa fácil, que faz fiasco, que se desespera de uma hora para outra. Que é sensível, passional e dialeticamente contraditória. Corre, achando que cada minuto pode ser definitivo e irreversível. Tem medo, assim como raiva, amor e todos os sentimentos extremamente humanos. Zela pelas pessoas que ama e esse talvez seja o seu maior defeito, o de querer protegê-los ao extremo e a qualquer custo. Peca por excesso e não é adepta à omissão.

Assim era ela. Sentia, sentia demais, esse era o seu problema. Ah, se pudesse ser um pouco mais racional... Sem tantos sentimentos, mais fria, congelada e inabalável com a vida. Sem tantas convicções, sem se cobrar tanta fidelidade aos seus ideais, metas e sonhos. Quem dera pudesse viver, simplesmente viver, sem o compromisso de sentir. Seria mais equilibrada, seria mais sensata, seria mais otimista.

Seria também menos gente. Lágrimas cairiam menos, mas também sorrisos e gargalhadas seriam descartados. Afetos, seriam dispensáveis, assim como envolvimentos, como amizades, como amores e laços de qualquer espécie. Se esconderia em cavernas que ela mesmo criaria para si e colocaria chaves-tetra e segredos indecifráveis nas portas. Sim, suas cavernas teriam portas blindadas que ela mesmo colocaria. Evitaria a si mesma. Não se incomodaria com a reação dos outros. Teria a solidão como aliada e esconderijos como artes supremas de seu viver. Existiria, respiraria, seu coração bateria, mas não pulsaria. Taquicardia, adrenalina e emoções não fariam parte de sua vida. Passaria pela vida, mas não viveria.

sábado, 22 de janeiro de 2011

Chico... sublime Chico...


Eu praticamente não assisto mais televisão. Nada contra quem goste, mas eu realmente enchi o saco. Cansei de ver sempre as mesmas caras, do jeitão do Faustão e do Gugu no domingo, das apelações das mulheres frutas, das novelas cada vez mais vazias que passam no horário nobre, do Big Brother então... esse não se fala, esse é o campeão do lixo que nos enfiam guela abaixo.
Pois é, mas esses dias estava vendo o Jornal Nacional (sim, alguma coisa temos que assistir, né?!) e vi a chamada no intervalo sobre uma minissérie que seria apresentada inspirada em músicas de Chico Buarque. Pensei: "ôpa, isso parece interessante, vou assistir e ver o que vai ser".
Confesso que não levei muita fé por se tratar de um programa da Globo. Mas resolvi ver igual. E, justiça seja feita, a série me surpreendeu. Só um problema, achei ela curtinha demais, com apenas quatro músicas encenadas em somente quatro episódios. Fiquei querendo mais, mas me contentei com que vi.
O primeiro episódio mostrou a música Ela faz cinema, mas eu acho que deveria ter se chamado Construção. Bem legal, ótima interpretação de Marjorie Estiano. No segundo, foi a vez de Mil perdões, a história bem de acordo com o contexto da música.
Mas a "cereja do bolo", ficou para o gran finale. Os dois últimos episódios foram dirigidos por Bruno Barreto, um com continuação com o outro. No primeiro, foi encenada a música Folhetim, conhecidíssima pela voz da Gal Costa. Conta a história de um cara que está mal no casamento e conhece uma prostituta. Os dois se envolvem, passam uma noite maravilhosa e no dia seguinte, ela simplesmente sai, como uma página virada, descartada do folhetim. Os atores, lindos, emocionantes e excelentes, mandaram ver. Vladimir Brichta e Alinne Moraes foram impressionantes.
Na continuação da história, As Vitrines, o personagem principal, Ari, se percebe apaixonado por ela. Destaque para a cena linda dele vendo-a passar ao som de Vitrines, música sensacional. Bem, não sei bem porque, mas achei as histórias bem legais, profundamente humanas, cheias do amor e da poesia de Chico Buarque, uma bela homenagem ao meu cantor preferido. Sim, algumas coisas foram bem clichês nas histórias, como os finais felizes por exemplo. Mas, se tratando de Rede Globo, foi como o esperado.
Para quem quiser assisitir, ainda dá. É só digitar Amor em quatro atos, no Youtube que ali estão todos os episódios. A parte mais linda, para mim, posto aqui. Mas vale assistir todinhos.
Que a nossa tv tenha mais programas desse tipo e menos realitys, bobagens e idiotices como tem tido. Só a trilha sonora já vale. Chico merece ser sempre lembrado, sua obra toca na alma humana, Chico é político, amante, malandro, trovador e... extremamente humano.

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Passagem do ano

(Carlos Drummond de Andrade)


O último dia do ano
não é o último dia do tempo.
Outros dias virão
e novas coxas e ventres te comunicarão o calor da vida.
Beijarás bocas, rasgará papéis,
farás viagens e tantas celebrações
de aniversário, formatura, promoção, glória, doce morte com
[sinfonia e coral,
que o tempo ficará repleto e não ouvirás o clamor,
os irreparáveis uivos
do lobo, na solidão.

O último dia do tempo
não é o último dia de tudo.
Fica sempre uma franja de vida
onde se sentam dois homens.
Um homem e seu contrário,
uma mulher e seu pé,
um corpo e sua memória,
um olho e seu brilho,
uma voz e seu eco,
e quem sabe até se Deus...

Recebe com simplicidade este presente do acaso.
Mereceste viver mais um ano.
Desejarias viver sempre e esgotar a borra dos séculos.
Teu pai morreu, teu avô também.
Em ti mesmo muita coisa já expirou, outras espreitam a morte,
mas estás vivo. Ainda uma vez estás vivo,
e de copo na mão esperás amanhecer.

O recurso de se embriagar.
O recurso da dança e do grito,
o recurso da bola colorida,
o recurso de Kant e da poesia,
todos eles... e nenhum resolve.

Surge a manhã de um novo ano.

As coisas estão limpas, ordenadas.
O corpo gasto renova-se em espuma.
Todos os sentidos alerta funcionam.

A boca está comendo vida.
A boca está entupida de vida.
A vida escorre da boca,
lambuza as mãos, a calçada.
A vida é gorda, oleosa, mortal, sub-reptícia.

In: A rosa do povo (1945).

sábado, 13 de novembro de 2010

"O que não me mata, me fortalece"

A frase do título é de um dos meus filósofos favoritos, Friedrich Nietzsche. Para mim, que estou em um momento assim, de superação e combate comigo mesma, esse pensamento cai redondo. Não sei dizer o que tenho, se é depressão, se são os problemas, se é stress, se são muitos compromissos a serem cumpridos... Não sei, talvez tudo isso, talvez nada disso. O que sei é que estou aqui, de um jeito ou de outro, estou aqui. Passando por determinados momentos, mas estou aqui. Ainda estou aqui. E se resisti até aqui, se não morri, sei que vou juntando forças para, através das dificuldades, ficar mais forte. Ficando mais forte, poderei enfrentar batalhas cada vez mais difíceis. Enfrentando essas guerrilhas, poderei vencê-las. A possibilidade do ganho caminha junto com a da perda. E na medida que fico mais forte, mais desafios poderão ser cumpridos. Assim, me dou conta que sou capaz de qualquer coisa, que não há limites pro que se possa conquistar, pro que se possa lutar. Os combates são necessários e não temos como fugir deles. Em um combate, podemos sofrer, podemos sair feridos, mas alguma coisa aprenderemos, nem que seja a nos fortalecermos para a próxima batalha.

Uma das minhas bandas favoritas, que tem sido minha atual trilha sonora, o U2, tem uma música que fala exatamente sobre isso, sobre estar preso em um momento achando que ele não passa, que ele é eterno e que não conseguiremos superá-lo. A música chama-se Stuck in a moment you can't get of. A canção fala assim:

Eu não tenho medo de nada neste mundo
Não há nada que você possa me dizer que eu não tenha ouvido antes
Eu só estou tentando achar uma melodia decente
Uma canção que eu possa cantar em minha companhia

Eu nunca achei que você fosse boba
Mas querida, olhe para você
Você tem que se levantar, carregar seu próprio peso
Estas lágrimas não vão a lugar algum, baby

Você tem que se endireitar
Você se prendeu em um momento e agora você não pode sair dele
Não diga que depois vai estar melhor agora que você está presa em um momento
E você não pode sair dele

Eu não irei abandonar, as cores que você traz
Mas as noites que você encheu de fogos de artifício
Eles a deixaram vazia
Eu ainda estou encantado com a luz que você trouxe a mim
Eu ainda ouço por seus ouvidos, e por seus olhos posso ver

E você é tal boba
Por se preocupar dessa maneira
Eu sei que é difícil, e você nunca tem o bastante
Do que você não precisa realmente agora... meu oh meu

Você tem que se endireitar
Você se prendeu em um momento e agora você não pode sair dele
Oh amor olhe para você agora
Você se tem prendido em um momento e agora você não pode sair dele

Eu estava inconsciente, meio adormecido
A água está morna até que você descubra como é profunda...
Eu não estava pulando... para mim era uma queda
É uma longa descida até o nada

Você tem que se endireitar
Você se prendeu em um momento e agora você não pode sair dele
Não diga que depois vai estar melhor agora
Você está preso em um momento e você não pode sair dele

E se a noite corresse acima
E se o dia não durasse
E se nosso caminho devesse hesitar
Ao longo da passagem pedregosa

E se a noite corresse acima
E se o dia não durará
E se nosso caminho devesse hesitar
Ao longo da passagem pedregosa
É apenas um momento
Esse tempo irá passar.
(Bono e The Edge)


Lindo, não?! E , mais do que lindo, verdadeiro. Nada é permanente. Heráclito já dizia que tudo flui. E assim é. Tudo passa. A vida tem um quê de dialética: precisamos partir de nossas teses, até nossas antíteses, até chegarmos a uma síntese. Ou seja, precisamos nos confrontar, nos destruir, nos reconstruir, para um dia chegarmos mais fortes no fim disso tudo. Mais fortes e mais sintetizados. Mais plenos, digamos assim. As coisas boas passam. E as difíceis também. Ao menos eu espero...

Esses dias vi um trecho de Caio Fernando Abreu publicado por uma grande amiga minha no Facebook dela, a Ana. Tem tudo a ver com esse meu momento. Diz assim:

"Vai passar, tu sabes que vai passar. Talvez não amanhã, mas dentro de uma semana, um mês ou dois, quem sabe? O verão está aí, haverá sol quase todos os dias, e sempre resta essa coisa chamada 'impulso vital'. Pois esse impulso às vezes cruel, porque não permite que nenhuma dor insista por muito tempo, te empurrará quem sabe para o sol, para o mar, para uma nova estrada qualquer e, de repente, no meio de uma frase ou de um movimento te surpreenderás pensando algo assim como 'estou contente outra vez'"
(Caio Fernando Abreu)

E, para concluir a postagem, já que iniciei meus pensamentos com Nietzsche, concluo com outra frase dele também. Diz assim:

"É preciso ter o caos dentro de si para dar luz a uma estrela bailarina"

E assim vou eu pela vida, em procura de minha estrela dançante...


segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Sobre o imprevisível


A vida nos prega peças... E essas peças não aparecem de madrugada, no meio da escuridão, quando temos medo. Acontecem em dias ensolarados, às duas da tarde, justamente quando nos sentimos mais seguros... E assim, de uma hora para outra, sua vida simplesmente vira de cabeça para baixo. O que era, não é mais ou pode desaparecer a qualquer momento. As certezas foram embora e o que resta é o que, ironicamente, sempre foi a única verdade, resta-nos o imprevisível.
Nesse contexto de imprevisibilidade, meu olhar muda. Passo a olhar a vida de uma nova forma. E essa forma não me dá garantia de nada. Não garante que eu esteja aqui amanhã, não garante que eu faça planos, não garante que tudo vai acabar bem no final.

Assim, vivendo um dia de cada vez nesse tempo difícil, vamos levando. Vamos valorizando cada minuto, cada presença, cada gesto, porque, por mais clichê que pareça, é verdade, pode ser o último. Chega o dia em que temos que nos separar, que temos que dizer adeus. O limite entre a vida e a morte é uma linha muito tênue, muito frágil, que pode se romper a qualquer momento. Desta forma, cada palavra é um tesouro, cada olhar pode ser o último e cada momento sem repetição. Triste, não?! Mas é verdade...
A vida é bem assim e passamos ela inteirinha nos iludindo pensando que temos tempo, que poderemos, que poderemos, que poderemos... Tudo balela. Nos enganamos com o argumento que é possível prever algumas coisas, que temos certezas científicas e dados estatísticos ao nosso favor. Tudo bobagem. Desde a previsão de tempo que a meteorologia se equivovou, até a mais indubitável certeza científica, todas podem ser refutadas. Não existem certezas, não existem verdades absolutas, não existe nada que nos garanta coisa alguma. Tanto a natureza pode mudar as regras do jogo a qualquer momento como também nossas vidas quietas, pacatas podem dar viradas de 360° tanto para melhor quanto para o pior, para o mais inesperado. A única coisa que temos de certa é o imprevisível. Hoje estou aqui, amanhã poderei não estar mais e disso ninguém se escapa. Não temos controle de nada, vivemos no devir de nossas próprias existências. Onde leva isso tudo? Não me perguntem, não tenho a mínima ideia.
Mas sei que no meio do caminho, sim, podemos fazer alguma coisa. Se é para amar, que seja hoje. Se é para dizer que seja agora. Se é para sentir, que seja sempre. Se é para viver, que seja intenso. Sem esperar para amanhã, muito menos para depois de amanhã. Pode não dar tempo.

Ao enxergarmos nossas vidas como um caminho, como um processo sem um produto final e concluso, aceitamos também a imprevisibilidade como uma aliada e também como uma inimiga. O imprevisível está ali, caminhando lado a lado conosco, querendo nós ou não. Ao menos uma coisa é certa: ao mesmo tempo que o imprevisível nos derruba, também torna a vida emocionante. Se soubéssemos todos nós qual seria nossa caminhada e que esta seria percorrida em uma linha reta, sem curvas, pedras no caminho ou surpresas, certamente não teria graça nenhuma trilharmos esta estrada.


segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Encontros

Em um mundo tão grande como o nosso, tenho certeza de que as pessoas não se aproximam por acaso. Pessoas totalmente diferentes e pessoas com afinidades inexplicáveis, se aproximam por quê? Talvez porque este ser que conhecemos tenha nos despertado algo que nós mesmo não conhecíamos, talvez porque encontramos no outro características que temos em nós, ou mesmo por razões indecifráveis. O que sei é que os encontros são cada vez mais raros. Cada vez mais nos isolamos em nossas próprias cavernas e ficamos mais reservados. Neste mundo de atrocidades acontecendo a qualquer hora, amizade, amor, solidariedade começam a ser mais e mais raros. O mais seguro mesmo é cada um viver pra si e pros seus. Conviver começa a ser perigoso ou dá trabalho. Ficamos, assim, individualistas.
Que lástima do nosso tempo! Não tem nada que se compare a um verdadeiro encontro. Como bem disse Vinícius de Moraes, "
A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida". Não existe nada mais pleno do que um bom encontro. Um simples olhar empático, uma mão carinhosa, uma palavra amiga... Um encontro de almas, de pessoas que se aceitam, que falam a mesma língua, possuem subjetividades semelhantes, que se admiram e se reconhecem. Lembro de uma frase de Fritz Perls, que dizia:

"Eu não estou neste mundo para viver as suas expectativas. E você não está neste mundo para viver as minhas. Você é você, e eu sou eu, e se, por acaso, nós nos encontrarmos, será lindo. Se não, nada se pode fazer "

Depois da fala desse autor, não tenho nada mais a declarar. Pode ser que nos encontremos, mas se não, se for pra ser um encontro de faz-de-conta hipócrita e cínico, onde fingimos de ser o que não somos, deixa assim, melhor ficar cada um no seu canto mesmo. Melhor mesmo é preservar os pouquíssimos amigos que já encontrei e os encontros verdadeiros e raros que já passaram pela minha vida.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Contrato com o tempo

Li esses dias no jornal Folha de São Paulo uma declaração da maravilhosa Lygia Fagundes Telles, dizendo "Sou da idade da pedra lascada. A velhice é um horror. Eu era uma jovem tão bonita. Mas para não envelhecer você tem que morrer jovem. E ninguém quer morrer jovem."
Daí, eu, com a plenitude de meus trinta anos, fiquei pensando e admirando a sabedoria desta escritora. O que ela fala é simples e lógico: ninguém, exceto os suicidas e os depressivos, quer morrer jovem. Quando isso acontece, é uma tragédia, é contra as leis da natureza. "Ninguém quer a morte, só saúde e sorte", como diria Gonzaguinha. Todos nós queremos viver. E viver requer envelhecimento.
Não que eu esteja me sentindo velha, não é isso. Pelo contrário, estou numa fase ótima, em que me conheço melhor e sinto a reallização de coisas que até então não estavam em meu alcance. Simplesmente admirei profundamente a visão realista de Lygia. Ela está com 87 anos e segue ativa, no momento reeditando sua obra. Vejo ela como um exemplo de alguém que está viva e não apenas respirando. Diz ela "só não morri por causa da literatura". E é verdade, a vida para ela tem um sentido, tem um porquê.
Daí, fico pensando no quanto gastamos com cremes rejuvenecedores, com roupas modernas e fórmulas milagrosas que prometem que possamos ficar magras, esbeltas e jovens. Pois bem, na verdade tudo isso não passa de um invólucro, uma embalagem que passamos para outros. Uma imagem que queremos vender, não importa pra quem. Nisso eu também não me escapo, é claro que quero preservar minha imagem e aparecer bem na foto. "Sou humano e nada do que é humano me é estranho", sábias palavras de Terêncio. Desde os primórdios os homens almejam uma fonte da juventude. Por quê? Porque juventude tem muito a ver com estética também.
Fora isso, vivemos em uma sociedade em que as pessoas de uma certa idade já não tem muito valor. Fica mais difícil conseguir um emprego e ter seus direitos preservados. E os aposentados então? Aqui em Pelotas o que vejo são idosos aglomerados nos transportes urbanos, mofando em filas de atendimento de saúde... Fora o baixíssimo rendimento que o nosso governo os paga para que possam comprar remédios, se alimentar, pagar suas contas e... viver! Irônico, não?
Pois é... pra quem lê hoje pode parecer um assunto isolado e distante de seu cotidiano. Todavia, até quando? Será que daqui a uns 20, 30 anos este assunto não lhe será mais familiar? Porque o tempo passa - e passa igual para todos. E se não podemos lutar contra o tempo, se não podemos ir contra as leis da natureza, que sejamos amigos dele então! Que possamos traçar um contrato com ele, que o respeitemos e que ele nos respeite. Eu assino embaixo deste contrato, esperando que o tempo também faça sua assinatura. Com registro em cartório e firma reconhecida, como diria o velho Vinícius de Moraes. Respeitar o tempo implica em aceitá-lo, conviver com sua presença e não ignorá-lo. Talvez assim o tempo nos gratifique com um corpo menos doente, com uma mente mais atualizada, com ideias novas e menos cansadas e com mais, muito mais, sempre mais VIDA!

P.S.: Caetano tem uma linda oração sobre o tempo em forma de canção. Vale a pena apertar play!

domingo, 25 de julho de 2010

A vida é feita de escolhas

Escolhas. Lógico, a vida é feita delas. Como boa existencialista, creio nisso fielmente. E sou devota às minhas escolhas. Me dou o direito de escolher sim, por mais que minha escolha envolva o risco de não dar certo. Pois, só assim sou responsável por minha vida. Não a entrego nas mãos de Deus, nem do destino, nem de ninguém. Como diria Sartre, o homem é condenado a escolher. Condenado, porque não temos como fugir disso. Mesmo quando escolhemos a quietude, mesmo quando escolhemos deixar a vida nos levar, mesmo quando escolhemos deixar que Deus ou um outro ser supremo ou mesmo o simples acaso escolha por nós, mesmo assim estamos escolhendo.
Escolhemos sempre, desde que nascemos. Escolhemos nossos amiguinhos na escola, escolhemos nossa cor favorita, a roupa que vamos usar. E nossas escolhas vão além de escolhas banais, como o que vamos comer no almoço. Nossas escolhas envolvem uma vida inteira e alteram ainda a vida dos outros que estão ao nosso redor. Quando temos que escolher algo que envolve uma decisão importante, parece que aí fica mais evidente o quanto temos esse poder de jogar tudo pro alto e virar o jogo, na hora que quisermos.
Nossas escolhas envolvem também nossa capacidade de ser. Nossa capacidade de sermos éticos, de sermos desleais, de sermos cruéis. Nossa capacidade de sermos um ser humano melhor, nossa capacidade de usarmos nosso jeitinho brasileiro e nossa capacidade de sermos apáticos e esperararmos que as coisas caiam do céu. Sempre podemos escolher melhorar a situação que estamos inseridos, por mais que às vezes pareça não termos saída. Podemos escolher quem seremos, se seremos bons ou se seremos maus. Podemos escolher um caminho mais difícil, menos seguro, porém mais libertador. Podemos escolher sorrir e levar a vida menos a sério. Podemos escolher lutar feito loucos para melhorar nossas condições. Podemos, podemos e podemos. Podemos, inclusive, pensarmos que não temos escolhas e que nossas vidas não passam de condicionamentos clássicos e operantes. Sim, podemos.

Uma questão que gosto de pensar é na questão do se. Se eu não tivesse feito tal coisa, se eu não resolvesse tomar a iniciativa, se eu tivesse escolhido outro caminho. Por onde eu andaria? Não sei, mas sei que minhas escolhas influenciaram diretamente para que eu estivesse hoje aqui. Minhas escolhas fazem com que eu seja, com que eu exista e me construa.
Se existem fatalidades? Sim, existem; pois implicam nas escolhas dos outros. Mas sempre posso escolher como eu vou reagir diante do que me acontece. E quando escolho minha reação, quando escolho meu caminho, automaticamente descarto outro.
Portanto, escolho!!!


quarta-feira, 30 de junho de 2010

Sei lá

Ah... sei lá... tem dias que me sinto meio assim. Assim, sei lá. Assim sem saber de mais nada, sem saber direito o que quero, sem saber direito o que acredito, sem saber bem o que sinto, sem saber nada...
Não sei o que tenho, não sei de nada. A única certeza: sei lá! O único sentido: sei lá também! Pra que saber? Sei lá, ora!
A vida tem desses momentos assim, penso eu. Momentos de incerteza, de medo, de vacilos. E esses momentos não são tão negativos assim. Eles nos fazem refletir e valorizar o lado positivo do que temos. Yin e yang, claro e escuro, doce e amargo, dia e noite. Extremos que não existiriam sem o outro. Ou nos fazem encontrarmos com nossos monstros interiores para que possamos conhecê-los e lidarmos com eles da melhor forma possível.
Viver não é brincadeira, não é fácil. Mas também é emocionante, é imprevisivelmente lindo. Então, quando estou meio assim, meio assim sei lá, sei que há de ser passageiro. Há de ter um dia maravilhoso me esperando amanhã (ou depois de amanhã ou ainda na semana que vem), ensolarado e tão radiante quanto todos os sonhos possíveis. Então, o melhor mesmo a fazer é pensar um sei lá mesmo! Sei lá como vou resolver meus problemas, sei lá o que há de acontecer, sei lá! O que não posso controlar não adianta me pré-ocupar. Já aquilo que posso, isso sim, isso faço questão de fazer minha parte. E diga-se de passagem, da melhor forma possível. Faço o que posso, faço tudo o que posso, embora o tudo seja bem pouco perto do tanto que deveria. Mas isso é outra história. Por hoje, me basta o meu sei lá para resolver meus problemas. Quem sabe amanhã o sei lá se transforme em uma nova certeza ou ao menos numa certeza provisória. Quem sabe? Quem pode saber? Ah, SEI LÁ!!!

domingo, 6 de junho de 2010

Intrusa

Desculpe. Eu não sou daqui. Estou no lugar errado. Entrei sem querer, não pude evitar. Mas também não consigo sair... Sou, então, um peixe fora d'água. Quero voltar para meu habitat, quero... Quero pessoas mais parecidas comigo. Não que eu seja um modelo a ser seguido, não é isso. Mas me sinto diferente. Não sou bem como os outros. Não consigo me identificar, não consigo entender, não consigo me inserir... Não estou preocupada com a novela das oito, não gosto de futebol, não vou pra baladas, não sei quem ganhou o Big Brother. Também não sei bem o que está na moda, não sei as últimas das celebridades e não gosto de Lady Gaga. Não tenho religião, não tenho orientação, não tenho direção.

Pois é... sou um ser meio estranho. Gosto do meu espaço particular, da minha vida simples, de minhas músicas antigas. Gosto do meu tênis All Star batido, da minha calça jeans surrada, da minha casa bagunçada. Gosto de gente meio estranha, assim como eu. Respiro filosofia, estou aqui de passagem e não sei para onde vou. Sou estrangeira, mesmo sendo nativa. Sou meio sem graça, meio apagada, mas não sou feliz pela metade. Quando amo sou inteira, quando estou sou intensa, quando vivo sou eu mesma... Muito prazer, esta sou eu!



sexta-feira, 28 de maio de 2010

Por uma loucura necessária

Sabe, às vezes penso que devemos ter um certo grau de loucura para conseguir sobreviver num mundo tão insano quanto o nosso. Quem totalmente racional poderia viver neste planeta?! Um mundo onde todo tipo de atrocidades são cometidas a todo momento, onde as coisas mais inexplicáveis simplesmente acontecem... Tudo é muito louco! É muito louco ver crianças na rua passando fome, pessoas matando por um celular ou qualquer outra bugiganga... Homens-bomba, neonazismo, pai que mata filha... meu Deus! Ainda bem que me resta esta loucura necessária!
Com isso, nos fala maravilhosamente Lygia Fagundes Telles:
“Selecionei as neuroses mais comuns e que podem nos levar além da fronteira convencionada: necessidade neurótica de agradar os outros. Necessidade neurótica de poder. Necessidade neurótica de explorar os outros. Necessidade neurótica de realização pessoal. Necessidade neurótica de despertar piedade. Necessidade neurótica de perfeição e inatacabilidade. Necessidade neurótica de um parceiro que se encarregue da sua vida – ô! Deus – mas desta última necessidade só escapam mesmo os santos. E algumas feministas radicais.” — in: A Disciplina do Amor
Daí, quem se escapa? Todos nós temos, no mínimo, uma dessas loucuras. Como bem diria Caetano "De perto ninguém é normal". Todos temos alguma loucura. É preciso um pouco de loucura. Num mundo como esse só ela pode nos oferecer um refúgio, um abrigo, uma válvula de escape.
Contudo, a própria Lygia adverte:
“Solução melhor é não enlouquecer mais do que já enlouquecemos, não tanto por virtude, mas por cálculo. Controlar essa loucura razoável: se formos razoavelmente loucos não precisaremos desses sanatórios porque é sabido que os saudáveis não entendem muito de loucura. O jeito é se virar em casa mesmo, sem testemunhas estranhas. Sem despesas.” — in: A Disciplina do Amor
Portanto, enlouqueçamos! Mas não não tanto a ponto de depender de atendimento psiquiátrico o tempo todo! Mais Platão, menos prozac! Enlouqueçamos com a loucura da filosofia, afinal de contas, todo mundo diz que ela "é coisa pra louco"!
Lembro do Cazuza falando
"Eu vou pagar a conta do analista pra nunca mais ter que saber quem eu sou". Mas nisso eu discordo dele, saber quem eu sou é o máximo! Disso eu não quero fugir... Sócrates foi mesmo muito sábio quando propôs o seu célebre "Conhece-te a ti mesmo". Mas concordo com o Cazuza, esta busca pelo conhecimento de si também é uma forma de loucura. Quanto mais me conheço, mais conheço minhas loucuras...
Pois bem! Já que somos loucos mesmo, enlouqueçamos então! Um brinde à loucura! Um brinde às loucuras saudáveis!Enlouqueçamos... Enlouqueçamos de amor, enlouqueçamos de vida!Enlouqueçamos num lindo dia de sol, que possamos nos permitir sermos felizes! Façamos algumas loucuras razoáveis de vez em quando! Lembro de Nietzsche também lá no seu famoso
Assim falou Zaratustra dizendo "Há sempre alguma loucura no amor. Mas há sempre um pouco de razão na loucura." Por isso, enlouqueçamos!


P.S.: Agradecimentos especiais à querida amiga Michele Moura, por ter me apresentado os textos da Lygia e por tantas e tantas conversas "loucas" :)
P.S. II: para quem quiser "enlouquecer mais um pouco", ninguém melhor do que Erasmo de Rotterdan para falar sobre o assunto, em seu maravilhoso Elogio da Loucura. O texto está disponível em http://bandapoetica.files.wordpress.com/2008/02/erasmo_de_rotterdam_elogio_da_loucura.pdf


domingo, 23 de maio de 2010

Meu eu nas palavras

Acho que nunca falei antes o quanto este espaço me faz bem. Aqui consigo mostrar meu lado mais íntimo, mais escondido. Escrever me faz tão bem... Me proporciona tantas alegrias, tantos encontros... Aqui conheci pessoas maravilhosas, fiz novos amigos, embora virtuais. E faz com que eu me conheça, com que eu me ache... Aqui me mostro, me sinto despida... e isso é tão bom!
Assim, esta postagem é tão somente para isso: para agradecer as visitas, para retribuir o carinho nos comentários e dar um retorno para aqueles que me seguem. Este espaço existe para mim, mas não existe sem vocês.
Escrever é tão somente isto: passar meu eu para as palavras e fazer com que a linguagem expresse por mim coisas que nem eu sei explicar. Embora soe um tanto clichê, escrever é, então, escutar a voz do coração. Por isso escrevo, por isso estou aqui.


"Escrever é procurar entender, é procurar reproduzir o irreproduzível, é sentir até o último fim o sentimento que permaneceria apenas vago e sufocador." (Clarice Lispector)

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Rousseau e o tempo

"Como passamos rapidamente sobre esta terra! O primeiro quarto da vida passou antes que soubéssemos seu emprego; o último quarto ainda passa depois que deixamos de desfrutá-lo. Primeiro não sabemos viver; logo já não o podemos, e, no intervalo que separa estas duas extremidades inúteis, três quartos do tempo que nos sobra são consumidos pelo sono, pelo trabalho, pela dor, pela obrigação e pelos sofrimentos de toda a espécie. A vida é curta, menos pelo pouco tempo que dura do que porque desse pouco tempo de quase nenhum dispomos para poder saboreá-la. Por mais que o momento da morte esteja afastado daquele do nascimento, a vida é sempre curta demais quando esse espaço é mal preenchido."
In Livro IV de Emílio, P. 271